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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Um cão de nome alegria

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– Gilmar Marcílio - 27.06.2009

Leio, estarrecido, a notícia da morte de um cãozinho vira-lata chamado Alegria. O dócil animal perambulava pelos pátios da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.

Seu crime? Ter sido abandonado pelo dono. A forma como foi assassinado? A pauladas, com requintes de crueldade.

Alegria tinha sido adotado por um professor que estava fazendo um brilhante trabalho na recuperação de crianças submetidas à violência das ruas. A simples presença desse cão o auxiliava na tarefa. No resto do tempo, Alegria passeava entre um bloco e outro do campus, brincava com os estudantes.

Por favor, alguém me ajude a entender uma barbárie dessas, porque outro nome não há. Quem já teve um cão sabe exatamente o que significa sua perda.

Morre um ser que nos presenteava com um olhar que lembra pedaços de nuvem, um broto rasgando a terra, o afago que se recebe da mão amada. A dor é tão grande que exige o silêncio de um luto, pois é o fim de um afeto marcado pela mais pura gratuidade. Perdoem, até consigo entender que pessoas maltratem outras pessoas, porque pouca bondade há em nós.

Mas torturar um animalzinho indefeso, sentir prazer em matá-lo, regozijando-se com a sua agonia... como aceitar isso? Sinto uma tristeza profunda, minha alma fica machucada. Morre em mim, por ora, a tentativa de acreditar que somos uma raça dotada de inteligência e sensibilidade.

O jornal mostrava a foto de Alegria quando ainda vivo. Confesso que não pude conter as lágrimas. E, num ímpeto de fúria interior, pus-me a conjeturar o que faria se colocassem na minha frente a criatura que o matou. Onde encontrar algum resquício de sanidade mental? Alguém poderá nos pedir que o perdoemos?

Não tenho vocação para a santidade e sou tomado por uma ira tão grande que me resta apenas dizer: tomara que a vida o trate da mesma forma como ele tratou Alegria.

Sei que não se pode esperar de todos esse amor incondicional aos animais. Há os que se comovem com bebês, com pessoas idosas, com a destruição da natureza. Eu também me sensibilizo e sei que é preciso ajudar.

Mas como se pode extrair gozo na tortura de um bicho? Penso na alegria que dá vê-los rolando pelo chão, correndo por um gramado, acariciá-los quando ainda estão arfantes, com sua língua que mais parece ter saído de um desenho animado..

. Quem nunca os carregou no colo pode ter a certeza de que está perdendo uma das grandes felicidades da vida.

Que dia triste, este. Que vergonha de ser um homem e não um bicho, uma planta, uma pedra.

Não sei o que fazer com a minha liberdade. Quero apagar a luz do quarto e ficar bem quieto, chorando a morte de Alegria. Quero imaginá-lo no céu dos cães, num céu que preciso tanto crer que exista, ao lado de um Deus que nem de longe seja a nossa imagem e semelhança.

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